segunda-feira, 5 de março de 2007

Uma ópera e uma palavra...

Demorei muito tempo pra assistir a uma ópera em casa. Em casa, sentado no sofá, com o controle na mão. Nada de teatro...
Demorei duas vezes. A primeira durou algumas décadas. Talvez por falta de interesse, talvez por (felizmente) ser de uma família embalada por óperas, boas músicas e muita cultura; pais únicos que possuo. Era natural amigos meus irem à minha casa atrás de meus pais, enquanto eu jogava videogame. Acho também natural o desinteresse dos filhos pelos gostos dos pais, até uma certa idade. Por isso a relação entre existir a cultura de ópera nos pais e não nos filhos.
A segunda demora, e sem dúvida muito mais relevante, justificável e marcante, foi mais recente. Comecei a assistir "La Bohème", no fim do ano passado. Fiquei viciado em cada minuto, em cada ária, em cada "Dó de Peito", como me ensinou meu pai. Absorvi cada informação que minha mãe passava, quando vinha com aquele jeito dócil, interromper minha primeira Ópera (e eu voltava dez minutos, torcendo por mais uma interrupção).
E então começa a ária mais marcante - tanto que, caso existisse algum curso de Ópera I em alguma faculdade, tal curso deveria ser por ela baseado -, "Che Gelida Manina". Acho que chorei instantaneamente. Soluçava e sentia o sal na boca. E a vontade de terminar a Ópera sumiu... "La Bohème" pra mim era "Che Gelida Manina". E ainda é.
Passados alguns meses, voltei ao Rodolfo. E consegui assistir inteira. Claro, revendo muitas vezes a ária que, dificilmente, para mim, deixará de ser a melhor da história da Ópera - pelo menos da minha história da Ópera, que é recente, mas promissora.
Terminei de assisti-la completamente perdido, desnorteado, alucinado por tanta beleza, tanto sentimento.
"Impossível descrevê-la. Não existem palavras capazes de fazê-lo", pensei. Mas talvez exista uma. Um único verbete que, paradoxalmente, descreva fielmente "La Bohème": inefável.
Coincidentemente esta é uma palavra que, talvez pelo pouco uso, eu demorei muito tempo para aprender.

"Che Gelida Manina", com José Carreras

3 comentários:

Don Abraone disse...

Que lindo! A primeira parte da historia, eu ja conhecia.
Nao conhecia o significado do tal vocabulo. Entretanto, subitamente, meu amigo www.priberam.pt fez-me notar mais beleza ainda em seu texto.

Half disse...

Cara, eu nunca vi uma ópera, e talvez demore mais uns anos pra ver uma. Estou vendo de ir visitar vc, que tal uma ópera alimentada com o purê cremoso que só vc sabe fazer? Eu sinto saudade da sua casa, de lavar roupas ai...
O Karl não acreditou que eu levava minhas roupas à zona sul para uma lavagem expressa, e levava ainda meio molhada na segunda-feira pra aula. Ahhh saudade

Guilherme Woitexem disse...

Cara, nunca vi uma ópera com grande interesse. Já ouvi, na época que era uma criança que brincava com os bonecos dos cavaleiros do zodíaco no tapete da sala.

Este ano sim, pretendo ver algumas.